Com reforma, 4 milhões de brasileiros devem aderir à previdência privada em cinco anos


A reforma da Previdência, que foi aprovada na Câmara na última semana e deve ter o aval do Senado nos próximos meses, despertará nos brasileiros a necessidade de poupar para o futuro por conta própria. Estimativas da consultoria especializada Mercer indicam que a mudança nas regras de aposentadoria levará, em cinco anos, a um aumento de 25% no número de pessoas que investem em previdência complementar, saltando de 16 milhões para 20 milhões, contabilizando planos abertos e fechados, como os de fundos de pensão de estatais e do setor público.

O volume de recursos investidos nos planos abertos deve saltar 17% entre 2019 e 2020, batendo R$ 1 trilhão, segundo projeção do Santander. A reforma fixou a idade mínima de 65 anos (homem) e 62 (mulher) para se aposentar e exigirá tempo maior de contribuição para que não haja redução no valor da aposentadoria, além de criar novas regras para o cálculo do benefício pelo INSS. Outros fatores favorecem o crescimento do mercado de previdência privada: a queda dos juros básicos da economia e a crescente competição entre gestores, fintechs, bancos e seguradoras. Com a mudança de cenário, as instituições reduzem taxas, oferecem fundos mais agressivos e investem em tecnologia para capturar um novo público.

Concorrência acirrada

A tendência é que o movimento diminua a distância do Brasil em relação ao mercado internacional. A previdência complementar representa 25% do PIB brasileiro, considerando planos abertos e fundos de pensão. Nos EUA, são 76%, e no Chile, 70%, de acordo com números da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) compilados pela Mercer. Em países como Reino Unido, Holanda e Suíça, o percentual ultrapassa 100%.

— Há muito espaço para crescer, e a reforma vai ser um vetor importante porque traz o assunto para a vida das pessoas — explica Felipe Bruno, líder de Previdência da Mercer. A consultoria espera que a reforma acelere o crescimento anual do número de pessoas com previdência complementar (aberta e fechada) de 1,7% para 5% ao ano, chegando a 20 milhões em cinco anos.

— O brasileiro, que nunca teve cultura de previdência, vai ficar mais atento à necessidade de poupança de longo prazo quando constatar que a remuneração do INSS será menor que a atual — resume Gilvan Cândido, do MBA em previdência complementar da FGV. Já há sinais de aceleração. No Santander, o volume médio mensal captado para planos de previdência dobrou desde o ano passado, para R$ 900 milhões. Na BrasilPrev, do Banco do Brasil, o número de simulações de planos em seu aplicativo triplicou de janeiro a julho, em reação à tramitação da reforma, conta o presidente Walter Malieni.

No ano passado, o BrasilPrev lançou produto com valor de entrada de R$ 100, para atrair investidores de renda mais baixa, e busca no aplicativo clientes mais jovens, de até 36 anos. — Temos produtos com tíquete de entrada de R$ 30. Em 20 anos, não vai gerar uma fortuna, mas é um convite para a pessoa iniciar a poupança de longo prazo — diz Victor Bernardes, do Santander.

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Os grandes bancos, que concentram 87% do patrimônio investido em previdência privada no Brasil, são o alvo principal de novos concorrentes. Gestoras independentes têm lançado fundos que prometem resultados mais agressivos a taxas menores, enquanto o fenômeno de plataformas digitais com dezenas de fundos permite comparação direta entre os planos. Desde 2007, o número de fundos saltou de 392 para 1.786, segundo a Economática, enquanto o total de gestoras passou de 45 para 124.

A gestora digital Vitreo é uma das novas entrantes. Seu primeiro fundo estreou em outubro e fechou para captação em oito meses, atingindo patrimônio de R$ 1,1 bilhão. A fintech acaba de lançar um segundo produto e investiu em tecnologia para turbinar a portabilidade — a legislação permite mudar de fundo a qualquer momento, sem pagar taxa ou imposto. Um aplicativo permite que o investidor fotografe o contrato com a seguradora de origem, e um software de reconhecimento de caracteres preenche o formulário de portabilidade, diz o diretor executivo Patrick O'Grady. — Há muito dinheiro nas mãos dos bancos rendendo pouco — diz Tito Gusmão, da fintech Warren, que passou a oferecer fundos de previdência em sua plataforma há dois meses, e lançará um fundo próprio no mês que vem.

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Hoje, 91% do patrimônio do segmento estão aplicados em fundos de renda fixa. Com a queda dos juros — que podem ficar abaixo de 5% em 2020, segundo projeções —, a tendência é que a renda fixa tenha rendimento cada vez menor. As gestoras apostam que haverá demanda crescente por fundos de maior risco e potencial de ganho, como os de multimercado. A Verde Asset, butique de fundos mais arrojados, viu o patrimônio do seu produto de previdência multimercado aumentar em R$ 3,8 bilhões em 12 meses.

— Esperamos ser mais bem-sucedidos em fazer os clientes correrem mais risco. Uma fatia tão grande do mercado na renda fixa é um desperdício — afirma Marcelo Flora, do BTG Pactual Vida e Previdência, que está ampliando de 15 para 24 seu rol de fundos. Leonardo Lourenço, da Mongeral Aegon, observa que a competição levará a uma homogeneização desse mercado, em que o diferencial será justamente a rentabilidade maior. A seguradora investiu na criação de uma gestora própria para definir a estratégia de investimento de seus fundos.

— A reforma foi um dos motivos que nos levaram a criar a seguradora, há três meses, já que o mercado tem imenso potencial de crescimento e está mal servido — diz Roberto Teixeira, da XP Seguros. Existe também a expectativa de crescimento na quantidade de participantes nos fundos de pensão. Até pouco tempo, essas entidades estavam ligadas praticamente a categorias profissionais e funcionários de determinadas empresas.

Mas a Abrapp, que reúne as fundações, tem estimulado a criação dos chamados “planos família”, que permitem a adesão de cônjuges e filhos. Já há no país 13 planos do tipo em funcionamento e outros três já autorizados, segundo a Previc, que regula fundos de pensão. — Para o trabalhador, a vantagem é capitalizar para o futuro em um plano que não tem fins lucrativos, voltado para o resultado ao trabalhador. Para a fundação, ela está renovando sua massa de contribuições — sustenta Rodrigo Pereira, presidente da gaúcha Fundação CEEE, que foi pioneira nos “planos família” há oito anos.

Hoje, 80% das novas adesões aos seus planos vêm de familiares de participantes. Se a reforma ajuda, sozinha, ela não fará o segmento crescer diante da lentidão econômica, pondera Lourenço, da Mongeral. Durante a crise, o segmento mais impactado foi o de planos privados oferecidos por empresas, já que muitas revisaram seus produtos ou reduziram suas contribuições, observa Luciano Snel, da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi). — O brasileiro poupa no longo prazo quando tem sobra. A volta a um nível de expansão de 15%, 20% ao ano só se dará quando a economia voltar a crescer — diz Claudio Sanches, do Itaú Unibanco.
Questões sobre o futuro

Logo no início do debate da reforma da Previdência, Ed Carlos Almeida, de 37 anos, resolveu separar parte do que ganha em comissões numa financiadora de veículos para complementar a aposentadoria. Pensando na família, deposita entre R$ 100 e R$ 200 num plano de perfil conservador: — Mais jovem, fui adiando decidir sobre isso. Com a reforma em pauta, achei que era hora de buscar um complemento ao INSS.

Formado em Relações Públicas, Diogo Santos, de 36 anos, sabe que se aposentar pelo teto do INSS ficará mais difícil e que vai precisar de um complemento. Gestor da universidade UniCarioca, ele tem economias, mas ainda não sabe se aplica em um plano de previdência ou em imóveis para garantir renda extra:

O que considerar na escolha do plano

1 - Condições compatíveis com plano pessoal

Idade, apetite por risco e objetivos financeiros influenciam a escolha de um plano de previdência privada. Quem adquire um plano mais cedo e vai contribuir por 20 ou 30 anos pode escolher produtos mais agressivos, como um fundo multimercado, que investe em ações, juros e moedas. Se há alguma perda no caminho, a chance de recuperação do prejuízo é maior no longo prazo. Conforme o tempo passa, a recomendação é migrar para um fundo conservador, em que o risco de perda de patrimônio é menor.

2 - Taxas cobradas pelos gestores

Taxas de administração altas corroem o rendimento do fundo. Em geral, planos em que os recursos ficam alocados em renda fixa (com predominância de títulos do governo) devem cobrar taxas menores. Nos fundos multimercados ou de ações, as taxas são mais altas porque o gestor cobra pelo trabalho de escolher os melhores investimentos. Esses produtos também podem ter taxas de performance, em que o gestor cobra mais se tiver bom desempenho. Fuja dos planos que ainda cobram taxa de carregamento (para despesas de gestão).

3 - Estratégia para a declaração do IR

Existem dois tipos de planos de previdência privada: o Vida Garantidor de Benefício Livre (VGBL) e o PGBL (Plano Garantidor de Benefício Livre). O VGBL não permite dedução fiscal dos aportes e é mais indicado para quem faz declaração de Imposto de Renda simplificada. Nessa modalidade, o IR no resgate incide apenas sobre a rentabilidade. Já o PGBL permite deduzir da base de cálculo do IR até o limite de 12% da renda bruta tributável na declaração completa. No resgate, o IR incide sobre o principal e o rendimento.

4 - Reputação da instituição escolhida

Bancos e seguradoras aparecem com mais solidez nessa avaliação porque os recursos aplicados em fundos de previdência farão parte dos ativos da instituição. Esses fundos não têm cobertura do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), proteção oferecida a outros tipos de aplicação que permitem recuperar até R$ 250 mil caso a instituição quebre. Em geral, os investidores escolhem a previdência privada nos bancos em que têm conta, mas novas instituições podem ter taxas e rendimentos mais atraentes.

Fonte: O Globo
Foto: TGL Consultoria


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